Saiba a origem da Classificação Indicativa

Já reparou que toda vez que vai começar um programa passa alguém fazendo gestos para surdos mudos e um selo, que pode ser Livre, Proibido para menores de 10 anos, de 12, 14, 16 e 18? Aquilo é a Classificação Indicativa, e determina em que horário o programa pode passar com base em seu conteúdo. Saiba mais sobre sua origem e como funciona lendo mais abaixo.

O ano era 2000. As novelas que passavam eram boas: "A Próxima Vítima" (1995) reprisava no Vale a Pena Ver de Novo, "O Cravo e a Rosa" era a novela das 6, "Uga Uga" era a das 7 e "Laços de Família" era a novela das 8. Todas estavam fazendo o maior sucesso, mas tinha uma coisa que incomodava o governo: as cenas de vergonha alheia.

Mas o que levaria um governo teoricamente democrático a tomar tal decisão?

Ora, Cláudio Heinrich exibia seu bumbum na novela das 7, que continha vários diálogos de sacanagem, a Banheira do Gugu fazia o maior sucesso com mulheres de biquíni competindo com homens famosos em busca de um sabonete, a novela das 8 contava, dentre outras histórias, a de uma "prostituta de família", o Programa do Ratinho exibiu certa vez uma cena de uma criança sendo torturada e as cenas violentas e diálogos de cunho sexual não só predominavam nas novelas, como também nos programas de TV daquele tempo.

Isso tudo revoltou pessoas como o ministro da Justiça daquela época, José Gregori. Ele foi um dos que mais defendeu a auto regulação das emissoras: “As emissoras se esqueceram que são uma concessão pública e que portanto têm responsabilidades sociais”. Ele disse numa entrevista para a IstoÉ Gente da época que já havia uma proposta, que não foi cumprida pelas emissoras: "Quem esperou por dois anos essa auto-regulamentação não pode ser acusado de precipitação. As emissoras ficaram de apresentar um documento com propostas até o dia 31 de dezembro de 1999 e não cumpriram o prometido. Nós ainda esperamos até setembro".

Thiago Lacerda e Carolina
Dieckmann  num ato de protesto

Isso tudo fez com que as crianças sumissem da novela das 8 naquele ano. Essa foi a decisão contida numa portaria do Juizado da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, que acatou denúncia do Ministério Público Estadual, que mandou retirar as crianças da novela "Laços de Família", além de obrigar a exibir a novela às 9 da noite (naquele tempo as novelas das 8 se passavam às 8 mesmo). As crianças daquela novela eram Larissa Honrato e Júlia Magessi (Nina), Carla Diaz (Rachel), Samuel Melo (Tide), Natan e Andrey Linhares (Bruninho). Os artistas, é claro, protestaram. Disseram que era a volta da censura, como disse a nota da Globo sobre a decisão: "Desde o primeiro momento, a Rede Globo reagiu - até de forma solitária - contra a recente portaria do Ministério da Justiça que trata da classificação de programas, por entender que ela abre caminho para uma inaceitável volta da censura, num processo incompatível com a liberdade de expressão, de criação e de informação". Até o presidente da OAB da época, Reginaldo de Castro, entrou na briga.

Porém, na época, muitos atribuíram a decisão do Juiz da 1ª Vara de Infância e da Juventude carioca Siro Darlan a uma represália. O motivo: seu filho Guilherme, então com 14 anos, tinha sido reprovado num teste para a série global Angel Mix. Ele até concordou com a decisão do pai, mas disse que se trabalhasse na novela, iria tentar um diálogo: "Como ator e juiz, a gente não ia se entender mesmo. Mas como pai e filho, temos uma relação maneira". No ano anterior Siro tinha multado a atriz Alessandra Negrini por ter levado seu filho que tinha 3 aninhos para assistir uma peça às dez da noite. Numa entrevista, no entanto, ele revelou ser "um defensor da arte".

Ele (e alguns colegas) já vinham reclassificando programas, como o "Domingo Legal" (por causa da Banheira do Gugu), o "Programa do Ratinho" (por causa das cenas violentas) e o "Festa do Mallandro 1" da Gazeta (por causa de cenas sensuais). Na época Hellen Ganzarolli, a então garota da banheira, comentou:  “Biquíni todo mundo usa. Não tem nada de vulgar na Banheira. E para quem não gosta, existe o controle remoto” Já Sérgio Mallandro disse que a decisão logo seria mudada, pois aquele era o seu programa mais "light" e até sua filha de sete anos participava.

O autor Manoel Carlos (que atualmente escreve "Em Família") teve que se virar. Inventou uma viagem misteriosa para todas as crianças do folhetim. Em novembro, a Globo conseguiu recorrer, e a novela voltou a ser exibida às 8 e meia da noite, com crianças, sexo e violência. Mas com o tempo, a classificação indicativa foi vencendo a parada.

As novelas das seis e das sete, que são exibidas mais cedo, estão cada vez mais limitadas, porque qualquer "deslize", pode significar uma reclassificação do Ministério da Justiça e dependendo da nova classificação que a obra receber, a emissora pode ser obrigada a mudá-la de horário. As novelas das seis vem sofrendo alterações de classificação indicativa, desde "Cama de Gato" (2009). Todas começam com classificação livre e realmente são novelas muito leves que não tem nada demais, mas depois de alguns capítulos, a classificação quase sempre é alterada para inadequada para menores de 10 anos. Uma das justificativas apresentada para reclassificar "A Vida da Gente" (2011) foi a de que a novela apresenta "conteúdos angustiantes". A novela "Tempos Modernos" (2010) teve sua classificação alterada no último capítulo por conta de uma cena de assassinato.

"Mulheres de Areia", que foi exibida originalmente às seis da tarde tem uma abertura sensual, onde uma mulher toma banho nua nas águas do mar. Essa reprise de 2011 e 2012 teve a abertura refeita, de modo a diminuir um pouco a nudez, o que a deixou muito desfocada e diminuiu muito a sensualidade da abertura original. A Globo preferiu modificar a abertura já temendo uma reclassificação da novela, alegando que as cenas de nudez eram impróprias para serem exibidas à tarde, mas na primeira reprise da novela em 1996, a abertura foi mostrada normalmente e ninguém ficou "chocado" com a abertura. Ainda em "Mulheres de Areia", várias cenas que foram exibidas normalmente em 1993, tiveram que ser cortadas ou reduzidas para se adequar às novas regras. E é claro que a novela também foi reclassificada como imprópria para menores de 10 anos. E um exemplo que lembra muito a Censura antiga, é a proibição da reprise de "Páginas da Vida", novela das oito exibida em 2006 que seria a substituta de "Mulheres de Areia", mas teve a reprise impedida de ir ao ar, mesmo com a Globo se comprometendo a cortar todas as cenas inadequadas para o horário da tarde.

A vítima mais recente foi a novela "Cobras & Lagartos", uma das novelas mais pedidas pelo público para reprisar no "Vale a Pena Ver de Novo". A novela, protagonizada por Mariana Ximenes e Lázaro Ramos (ao lado), foi exibida pela primeira vez em 2006 e fez muito sucesso. Foi com essa novela que a Globo conseguiu amenizar a queda que estava sofrendo com o fracasso de "Bang Bang" e com o sucesso da novela da Record "Prova de Amor". E foi tão boa que o autor João Emanuel Carneiro foi promovido para o horário principal, das 21 horas, nos presenteando com tramas como "A Favorita" (2009) e "Avenida Brasil" (2012), dois dos maiores sucessos globais deste século.

Com "Caras e Bocas" se aproximando de seu final (a novela começa a acabar mesmo quando todos descobrem que é o macaco quem pinta os quadros, que o Frederico é vilão e a Simone volta com o bebê), a emissora começa a planejar a próxima trama a ser reprisada. E aparentemente, os executivos lá de cima escolheram a novela do JEC. Eles cortaram vááárias coisas e mandaram os 10% com os cortes lá pra censura pro Ministério Público pra ver se conseguiam pelo menos o selo de imprópria para menores de 10 anos. Eles classificaram como imprópria para menores de 12 anos e no Diário Oficial, eles explicaram que a novela tinha “conteúdos de insinuação e apelo sexual, lesão corporal, exposição ao perigo e a situações constrangedoras, menção a drogas ilícitas, preconceito”. Com esse selo, a novela, que em 2006 foi classificada como "livre", não poderia nem passar no seu horário original, o das 7 da noite. Só passaria depois das 9 e olhe lá!

Ou seja, pra eles "Carrossel" não deveria nem passar, pois a Maria Joaquina tinha atitudes preconceituosas com o Cirilo o tempo todo. E pra eles, a Judith de Caras e Bocas chamar Milena de "Chocolate" e dizer que o "lugar dela é na área de serviço" é super normal.

Mas "Cobras e Lagartos" realmente apelou pra conseguir audiência. Os marmanjos que assistiram ao primeiro capítulo sabem do que estou falando.

EM TEMPO!

Se você quer matar as saudades do Foguinho, da Leona, da Hellen, da Bel, do Duda e da Dona Milu, achamos pra você alguns vídeos do YouTube que exibem a novela!

Este aqui exibe o primeiro capítulo completo na versão original.

Temos este canal aqui que exibe do capítulo 1 ao 48, e aqui temos do 49 ao 139. Tudo em espanhol!

Reveja algumas cenas marcantes:
O tabefe que Bel (Mariana Ximenes) deu na cara da vilã Leona (Carolina Dieckmann)

A inesquecível campanha comercial da Luxus com Ellen (Taís Araújo) e Foguinho (Lázaro Ramos): "Eu tenho, você não tem!"

A cena do assassinato de Estêvão (Henri Castelli), o "Quem Matou?" da novela.
Esqueceu quem foi? Ora, foi a Madá (Nanda Costa)!

A quase passagem de Foguinho para o outro lado

E o compacto do Video Show no Novelão da Semana

Legal, não? Essa trama deixou saudades... E enquanto a Globo não consegue dobrar a Classificação Indicativa, teremos que conviver com tramas recentes no Vale a Pena Ver de Novo, novelas das 6, das 7 e das 8 sendo reclassificadas o tempo todo e controvérsias envolvendo as decisões e os critérios do Ministério Público.

Atualização 

(publicada em 22 de maio de 2014, às 4 da tarde)

Parece que a Globo conseguiu dobrar a Classificação Indicativa, pois vazou a notícia de que Cobras & Lagartos vai ser reprisada no Vale a Pena Ver de Novo! Isso saiu no site Notícias da TV, de Daniel Castro, e no blog da Patrícia Kogut, das Organizações Globo. Tomara que seja verdade!