A ilha de Hong Kong virou manchete nesses últimos dias por conta de um protesto organizado pelos seus habitantes por conta de mais um desmando do Partido Comunista Chinês. Mas o que os dirigentes chineses fizeram para irritar tanto o povo de Hong Kong e o que exatamente esses manifestantes querem? O Besteiras Bestificantes explica.
Histórico
Hong Kong é atualmente uma das duas Regiões Administrativas Especiais da China, juntamente com Macau. Virou território do Reino Unido durante a Guerra do Ópio (1839-1842). Em 1898, a China entregou a ilha para o Reino Unido num prazo de 99 anos, e a partir desse momento, Hong Kong virou um centro importante de comércio no Oriente. Na Segunda Guerra Mundia (1939-1945), a ilha foi ocupada pelo Japão por 3 anos e 8 meses, até os japoneses se renderem e os britânicos receberem sua ilha de volta. Serviu de refúgio aos opositores durante o estabelecimento da República na China, em 1912, e na ditadura de Mao Tsé-Tung. Em 1982, a China e o Reino Unido começaram a negociar a devolução da soberania sobre Hong-Kong à primeira. Um acordo assinado em 1984, em Pequim, determinou que a China tomaria conta do território a partir de 1 de Julho de 1997. Em conformidade, o regresso de Hong-Kong à soberania chinesa após 156 anos de administração colonial britânica deu-se às 24:00 daquele dia.
Enquanto o resto da China convive com uma ditadura comunista na qual não podem sequer protestar livremente, Hong-Kong desfruta da fórmula "um país, dois sistemas", também aplicada a Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999, e segundo o acordo, durará por 50 anos. Deste modo, o território continua a ser um porto livre e um centro financeiro internacional, e, exceto nas áreas da defesa e da política externa, tem um alto grau de autonomia. Não paga impostos ao Governo central e o seu modo de vida, incluindo a liberdade de imprensa, quase não foi alterado. Até agora.
O que gerou a revolta
Na última semana de setembro, o parlamento chinês resolveu mexer no vespeiro ao aprovar uma medida limitando os candidatos da eleição de 2017. Nessa medida, só poderiam se candidatar ao cargo de governador da ilha os candidatos que tinham sido aprovados pelo Partido Comunista Chinês. Isso contraria o que havia sido decidido em 2007, quando o governo chinês prometeu aos residentes de Hong Kong que eles teriam direito ao "sufrágio universal", no qual todos poderiam votar. Essa era a teoria. No entanto, na prática, os eleitores de cada região podem apenas selecionar seu candidato de uma lista pré-selecionada por Pequim.
Sobre isso, a China alega que liberar o voto direto e aberto causaria uma "sociedade caótica". Mas os jovens honcongueses não concordaram com isso e acusam o presidente Xi Jinping de ser autoritário
e repressor. Eles se juntaram para ocupar o centro da cidade para pedir pela democracia, alguns usando aquelas famosas máscaras do Anonymous do filme "V de Vingança", e outros usando máscaras do ex-presidente Deng Xiaoping, que ordenou o massacre na Praça da Paz Celestial em Pequim em 1989 e também instituiu a fórmula de "um país, dois sistemas", que garante mais liberdades a Hong Kong. Mas, com os ataques da polícia chinesa através de gás lacrimogêneo, o pessoal se protegeu com máscaras e guardas-chuvas, que acabou virando símbolo do movimento.
E com a intransigência do governador honconguês Leung Chun-ying, os revoltosos passaram a pedir a cabeça dele.Quem é o líder?
Joshua Wong tem apenas 17 anos e em vez de ficar só reclamando da vida no Facebook, foi pra rua e tentou fazer alguma coisa. E isso não é de hoje. Aos 15, ele e alguns coleguinhas criaram um grupo, o Scholarism, que queria, segundo ele, dar voz política aos adolescentes de Hong Kong. Esse grupo liderou um protesto em 2012, que contou com mais de 120 mil estudantes, que ocupou a sede do governo, ajudando a derrubar um programa nacional de educação que era visto como pró-China. E essa medida chinesa que tenta subordinar os candidatos ao governo honconguês à Pequim é vista com maus olhos pelo rapaz, que diz que isso faz com que Hong Kong seja apenas "semi-democrática" e por isso acredita que outros estudantes precisam "se importar mais" com a política. Para ele, estudante são as pessoas ideais para divulgar essa mensagem porque eles são, por natureza, "idealistas", e sua mensagem é clara: ele quer uma sociedade livre em que todos tenham a possibilidade de nomear e votar em candidatos para o executivo de Hong Kong. Ele quer democracia, e acredita que uma manifestação específica é o ideal, mas que às vezes é preciso lançar mão da "desobediência civil".
Os protestos tinham sido inicialmente planejados pelo movimento internacional Ocuupy Central para começarem nesta semana, mas seus membros, os estudantes locais, se juntaram às manifestações antes: "Em vez de encorajar os estudantes a se unirem, fomos encorajados pelos estudantes a nos unirmos a eles", disse Benny Tai, um dos líderes do Occupy. "Estamos impressionados e comovidos com o trabalho desses estudantes."
Tudo isso provocou a fúria do Governo Chinês. Joshua foi oficialmente classificado como uma ameça à segurança pelo Partido Comunista e vem sendo chamado de "extremista" e de "fanfarrão" por muitos chineses. Ele foi uma das 78 pessoas presas durante um protesto na sede do governo, e ficou detido por mais de 40 horas, mas mesmo tendo liberado o estudante, a polícia deixou claro que tem o direto de voltar a prendê-lo.
Temendo que as redes de celular fossem derrubadas, Joshua orientou seus seguidores a baixar o aplicativo Firechat, app permite que os usuários se comuniquem por mensagens mesmo sem acesso à internet e já foi baixado mais de 100 mil vezes desde domingo.
Ao deixar a prisão, cansado e com alguns ferimentos, ele prometeu se unir novamente aos protestos: "Você precisa encarar cada batalha como se fosse a batalha final. Só assim você terá determinação para lutar."
Reação do Governo Chinês
Os líderes comunistas não deixaram barato, e conforme já foi dito, já prenderam os manifestantes. O chefe do executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying, repudiou os protestos, e recebeu dos revoltosos um ultimato para conversar antes da meia-noite do dia 30, o que não aconteceu. "Se Leung Chun-ying anunciar sua renúncia, esta ocupação terminará, ao menos provisoriamente", declarou o cofundador do movimento Chan Kin-man. O governo da China também usou da tecnologia para tentar bloquear os protestos, através de um vírus para iPhone, chamado de "Xsser", que fornece acesso remoto às informações armazenadas no aparelho para os criadores do software. Além disso, eles impedem de todo jeito que o resto do povo chinês saiba a verdade sobre as manifestações para que os 1,3 bilhões de chineses não se sintam influenciados. Para isso, eles demonizam os manifestantes, chamando-os de estudantes desocupados e vagabundos (parecido com o Brasil, não?) e dizem que a culpa de tudo é dos estrangeiros que querem prejudicar a estabilidade e a prosperidade da ilha e, por consequência, da China continental, e que o líder estudantil Joshua Wong tem vínculos com os Estados Unidos. Porém, essas acusações são frágeis em substância e são feitas pela mídia controlada pelo governo.
Reações internacionais
Em Londres, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, demonstrou sua grande preocupação com os protestos em Hong Kong e lembrou que a China se comprometeu a preservar a democracia na ex-colônia britânica: "Quando alcançamos um acordo com a China, existiam detalhes no acordo sobre a importância de dar à população de Hong Kong um futuro democrático sob o amparo dos dois sistemas. Assim, efetivamente, estou profundamente preocupado com o que está acontecendo e espero que seja resolvido".
Durante um encontro entre o ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi, com o secretário dos Estados Unidos, John Kerry, em Washington, o ministro disse: "Este governo chinês declarou muito firme e claramente sua posição. Os assuntos de Hong Kong são assuntos internos da China (...) Todos os países deveriam respeitar a soberania da China e isso é um princípio básico nas relações internacionais dos governos (...) Creio que qualquer país, qualquer sociedade, não permitiria estes atos ilegais que violam a ordem pública. Isso é o que ocorre nos Estados Unidos e essa é a mesma situação em Hong Kong", e o secretário americano apelou para que as autoridades de Hong Kong atuassem com moderação diante dos protestos nesta ex-colônia britânica, onde dezenas de milhares de manifestantes exigem o sufrágio universal sem limites. Kerry também pediu "respeito ao direito dos manifestantes de expressar sua opinião de forma pacífica", e insistiu no apoio dos Estados Unidos ao sufrágio universal em Hong Kong.
Retirada estratégica?
Foi divulgado ontem que os manifestantes estavam se retirando das ruas que ocupavam há uma semana. O insucesso no diálogo com o governo e a dúvida entre manter ou não os protestos provocou a desmobilização dos manifestantes. Com isso, o povo pôde voltar ao trabalho, as escolas abriram e o tráfego retornava aos bairros até então afetados pelos bloqueios dos manifestantes. Mas alguns grupos de estudantes permaneceram ocupando as praças e ruas, embora permitindo que os funcionários possam trabalhar em paz.
No último sábado, os líderes estudantis abriram a porta ao diálogo com o governo local. O principal sindicato estudantil de Hong Kong, a Federação de Estudantes de Hong Kong (HKFS), que suspendeu as negociações com o governo diante da falta de ação da polícia durante os ataques contra os manifestantes na sexta-feira, admitiu se reunir com as autoridades caso a omissão da polícia seja investigada: "O governo deve mostrar seu compromisso com a investigação dos fatos e dar uma explicação à opinião pública o mais rápido possível", disseram eles, em referência às acusações de conluio entre as autoridades e a "tríade", a máfia chinesa.
As autoridades de Hong Kong, por sua vez, negaram firmemente terem recorrido à violência para atacar os manifestantes. O secretário de Segurança de Hong Kong, Lai Tung-Kwok, falou que "Estas acusações são fabricadas e excessivas".
O movimento, chamado de "Revolta dos Guardas-Chuvas" e de "Primavera Chinesa", parece ainda não ter acabado, e já recebeu apoios de fora, além de desafiar a ditadura comunista chinesa que comemora o 65º aniversário da Revolução de 1949. Mas será que os estudantes conseguirão arrancar alguma concessão do governo? Só resta aguardar os próximos capítulos.
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